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facebook.comNa estreia do ano novo, convidámos a nossa colaboradora Joana Assunção a escrever sobre a sua especialidade - a terapia da fala. Esperamos que gostem do Artigo do Mês: "O Terapeuta da Fala explica a Linguagem: inata e fascinante" O ser humano tem a capacidade inata para desenvolver linguagem, comunicando através de um sistema linguístico verbal e/ou não-verbal. Pelo seu cariz inato e aparentemente simples, temos tendência a não observá-la com a devida atenção nas nossas crianças. No entanto, esta competência tem tanto de fascinante como de complexo, devendo por isso ser valorizada logo desde as etapas mais precoces. O desenvolvimento da linguagem inicia-se logo dentro da barriga da mãe. Os bebés ouvem os batimentos cardíacos da mãe e todos os sons que o seu corpo produz e reagem, também, a sons exteriores. Em geral todas as mães conseguem identificar uma ou outra situação em que o seu bebé reagiu a sons exteriores, mais ou menos fortes, movimentando-se dentro da sua barriga. Logo após o nascimento, num período que vai até aos três primeiros meses de vida, os nossos bebés já são capazes de, imaginem, realizar tarefas como distinguir sons, línguas diferentes e a voz da mãe de outras vozes! Todas estas competências revelam que a linguagem acontece desde muito cedo, devendo ser vista de forma holística, não só na sua vertente expressiva (fala), mas também compreensiva. Por outras palavras, embora ainda não fale, um bebé já compreende muito material linguístico à sua volta. Encontramos outra forma de manifestação precoce da competência linguística em algo aparentemente simples: o choro. O choro e os seus diferentes tipos constituem uma forma de comunicar. É através do choro e, um pouco mais tarde, do sorriso, que os bebés mostram ao adulto as suas necessidades mais básicas (fome, irritação, sono…). Segue-se a fase do balbucio, entre os 4 e os 8 meses, em que os pais afirmam que os seus bebés já dizem “mamã” ou “papá”. Importa identificar o contexto em que um bebé faz “mamamamama” e, de acordo com o mesmo, perceber se esta produção tem um significado linguístico ou é apenas aleatório. Ao longo desta etapa os pais podem ainda, por exemplo, verificar se a criança balbucia mais na presença de um adulto ou quando está sozinha, permitindo-lhes atribuir ou não um significado linguístico à produção sonora do bebé. Nesta fase os bebés já são capazes de reconhecer o seu próprio nome, algumas palavras inseridas em frases e associar significados a algumas palavras. Por volta dos 12 meses, inicia-se a chamada linguagem expressiva (fala): o bebé produz as suas primeiras palavras (cerca de 10)! Mais uma vez, é importante o adulto identificar o contexto em que cada palavra acontece, de forma a entender se tem um significado linguístico ou é aleatório. Além disso, os 12 meses são apenas uma referência. Se o seu filho não diz uma palavra com essa idade e até aos 18 meses, ou se já o diz com 10 meses, nenhuma dessas situações deverá ser motivo de preocupação. Entre os 12 e os 18 meses, o seu vocabulário produzido cresce até cerca de 50 palavras relacionadas com necessidades básicas e rotinas da criança (ex. pão, pápa, água, bola, mamã, papá…). Por volta dos 24 meses, acontece uma explosão de vocabulário produzido, em que a velocidade de produção de palavras novas aumenta significativamente, o que torna ainda mais fascinante a observação por parte dos pais deste processo tão inato e ao mesmo tempo tão complexo. Simultaneamente, inicia-se a construção de frases, inicialmente muito simples e gradualmente mais complexas. Por volta dos 3 anos, as frases produzidas pela criança já apresentam estruturas mais completas do ponto de vista gramatical. Por volta dos 4 anos de idade, são capazes de produzir cerca de 5 mil palavras. Em todas as fases é importante evitar a linguagem abebezada do adulto com a criança, de forma a poder transmitir-lhe o modelo mais correcto possível em termos da articulação dos sons da fala. Como vimos, muito do que ocorre mesmo antes do nascimento até aos 6 anos é espontâneo, decorre do funcionamento da nossa mente. No entanto, o desenvolvimento pode ser estimulado pelo adulto, rodeando a criança de um ambiente rico e propício. Se o desenvolvimento linguístico da sua criança fica aquém do que foi explicado, ou se tem dúvidas relativamente ao que é ou não esperado para a sua idade, não hesite em contactar o Terapeuta da Fala. Em todas as etapas/idades é possível realizar-se um trabalho de estimulação profissional, seja no trabalho directo com a criança, seja sob a forma de orientação aos pais (terapia indirecta). A intervenção precoce fará toda a diferença e evitará complicações futuras quer a nível da linguagem oral, quer a nível da linguagem escrita! Joana Assunção
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É Tempo de ter tempo de viver com tempo… O Tempo! Neste mês de Dezembro, palco de uma quadra tão especial e mágica, e com tanto para se viver e partilhar, é necessário tempo. Tempo para ser, tempo para olhar, tempo para ver, tempo para sentir e navegar com o outro rumo a um horizonte, sem tempo contado, nem limite de hora, para voar, voar mais alto e mais alto, até, quem sabe, ter tempo ao luar! O tempo é precioso sobretudo pelo quanto é cada vez mais raro na vida de cada um de nós, e nem sequer se dá por isso… E como o tempo não está há venda, merece ser preservado e, quem sabe, até promovido ao estatuto de riqueza humana. Passamos a vida a correr, a ouvir (ou dizer!) “não tenho tempo para isto nem para aquilo…” E perde-se tanto… O tempo voa e desaparece no ar. O tempo não se agarra nem se guarda no baú, pois nunca pára de contar. O tempo saltita dia a dia, noite a noite, e nós vimo-lo passar. Queima-se tempo com o acessório e deixa-se escapar o importante. Perdem-se momentos inesquecíveis por se perder o tempo num tempo descontrolado e endividado, em créditos de tempo extra que nunca são aprovados. Para muitos, o tempo é insuficiente – queixam-se que precisariam do dobro do tempo, mas se tivessem mais tempo continuaria a ser escasso, porque na verdade seja qual for o tempo que tenham, nunca será suficiente! Quanto mais tempo, mais preenchimento. Outros fazem tão pouco com o tempo que têm, que desperdiçam o tempo em nada, sentindo que têm tempo a mais! E não sabem o que fazer com ele... Seja qual for o tempo, é sempre excesso de tempo, dominado pelo vazio. Alguns têm tempo para complicar e querer fazer tanto em tão pouco tempo que a ansiedade por ser e fazer, tudo de uma só vez, resulta em falhas consecutivas e desculpas repetidas, numa maratona de afazeres sobrepostos que confrontam o individuo com a frustração e o limite. Um tempo agridoce, meio cheio e meio vazio em simultâneo. E quando só se percebe o que se perdeu quando o tempo já passou? A dor que fica, a raiva que se apodera, a coragem de procurar reparar e ir atrás do que já se perdeu mas pode-se ir buscar. Porque enquanto formos vivos e existir tempo, há tempo para ir atrás do desejo, do amor, da vida, do tempo. E depois? Depois chegam aqueles que vivem o tempo, que saboreiam os acontecimentos e as vivências com tempo, que dão tempo à vitória e à derrota, que apanham o tempo e fazem-se parte dele existindo dentro do tempo. Viver com tempo, amar com tempo, sorrir com tempo, chorar com tempo. Finalmente, só podia terminar com o maravilhoso poema de Miguel Gameiro “O Tempo não pára”, oferecido à belíssima voz de Mariza: “Eu sei Que a vida tem pressa Que tudo aconteça Sem que a gente peça Eu sei Eu sei Que o tempo não pára O tempo é coisa rara E a gente só repara Quando ele já passou Não sei se andei depressa demais Mas sei, que algum sorriso eu perdi Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo Para olhar para ti De agora em diante, não serei distante Eu vou estar aqui Cantei Cantei a saudade Da minha cidade E até com vaidade Cantei Andei pelo mundo fora E não via a hora De voltar p'ra ti Não sei se andei depressa demais Mas sei, que algum sorriso eu perdi Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo Para olhar para ti De agora em diante, não serei distante Eu vou estar aqui Não sei se andei depressa demais Mas sei, que algum sorriso eu perdi Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo Para olhar para ti De agora em diante, não serei distante Eu vou estar aqui” Feliz Natal com tempo para sentir e estar... Carla Albano

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Artigo do Mês - "A única obscenidade que conheço é a violência" - Jim Morrison Cantor, compositor; Vocalista da banda The Doors (1943 - 1971) A semana decorrida, 7-11-2016 a 13-11-02016, levam a escrever algumas linhas, uma proposta das várias que existirão na compreensão do mundo envolvente onde me insiro. Vejamos: Pedro Dias, rendeu-se passado perto de 4 semana, com visionamento em directo pela estação de serviço público. O cidadão de Arouca revela uma preocupação que o assola, que o Daesh, venha até cá e não estejamos seguros. Concordo, mas pelo efeito surpresa. É das melhores armas contemporâneas. Um reality show ganhou as eleições dos Estados Unidos da América. Numa perspectiva algo caseira de reality show em Portugal, não sei de difere num dos princípios base, em relação qualquer outro país onde os mesmos decorrem: o concorrente que diga algo na 2af, é chegada à 4af e bem que não era aquilo que queria dizer, foi mal-entendido, ocorreu um equivoco, e foi mal julgado. Logo, a possibilidade de mudança para ganhar o dinheiro no final do reality show parece um caminho viável. Faleceu Leonard Cohen, impar. Na categoria de ter um Dom. Estou em crer que Cohen, será recordado como alguém que mudou a História. Já os restantes, permito-me desejar que sejam só factos da História. É com estes episódios decorridos nesta semana, que me levo a vaguear pela: Diferença/Alternativa. Começando... Não sei se efectivamente posso considerar que algo de novo aconteceu. Talvez seja só mais uma forma de lidar com aquilo que singra na sociedade, hoje, ou no tempo de outrora, e que será, parece-me a mim, a questão perpétua que a vida apresenta para todos: Como se lida com aquilo que dentro nós cresce*, como destrutivo, ou simplificando, em fazer mal, ou menos bem, ao Outro? Não será isso que há tantos anos a História nos mostra? Como lidar com as contrariedades que nos são apresentadas na vida? Como vivemos com os sentimos de frustração que isto gera em cada um? Esta contrariedade começa lá bem atrás. É desde o nascimento. O bebé quando chega ao mundo começa a receber contrariedades. Exemplo, chora, mas neste entendimento de compreensão daquele cada dois, o cuidador e o bebé, um conjunto de possibilidades existem para responder àquele choro. É a experiência e o conhecimento que poderá levar a que contrariedade seja um desconforto, ou possa ser uma efectiva frustração (para ambos). E do desconforto à frustração, aquilo que se elabora internamente, e se devolve em relação ao mundo circundante, fará a sua diferença. Por isso, numa simplicidade de compreensão, há coisas que fazem parte do nosso crescimento, e na forma de gestão e devolução, cujo impacto é determinante. Só que de dois não se faz da vida e o terceiro emerge. E que necessário assim o é. Este terceiro, se apresenta como a outra figura parental, ou todos aqueles que há medida que a criança vai crescendo se apresentam como a alternativa. Sim, a alternativa. Aquele que diz, age diferente do que se conhece, que ñ elimina o que se já sabe, mas acrescenta e ajudará na construção de uma identidade própria. Quando se refere que a partir de uma certa idade a criança pequena tem um particular entusiamo pelo mundo circundante, a exploração representa também a tentativa de conhecer alternativa. Agora, um dos desafios da vida, deverá ser esse mesmo, aceitar a alternativa como uma possibilidade necessária no crescimento. Ora, muitas vezes tal não acontece. A repressão, o anulamento, por vezes, o aniquilamento dessa alternativa, leva a construção de identidades severas e imaturas na forma que se lê e se relaciona no mundo. Só que a dificuldade de aceitar a alternativa também encerra a insegurança, o medo do desconhecido do diferente. Com isto, será importante a aceitação de que alguém que nasceu de dois, seja diferente dos progenitores. O ser diferente, não é nem melhor, nem pior, é diferente de. Se não aceito nem permito, que esse movimento emerja, o mundo circundante soa-me como ameaçador e como tal, uma das formas de lidar será desvalorizar a envolvência e tentar fazer com que aquilo que venha de fora seja reduzido. Mas não passará por uma questão de insegurança, relativamente à possibilidade de relações? Não será a dificuldade em gerir a fragilidade do próprio? Em sentir a dependência como uma escravidão? Sentir a cedência como uma humilhação? Ter dificuldade em lidar com sentimentos de ternura, carinho, amor e como resposta continuada usar o cinismo, a sátira, a ironia, a ñ verdade, para lidar com o outro? Provavelmente um dos problemas mais preocupantes que nos defrontamos nos dias de hoje, é aceitarmos aquilo que se apresenta como diferente, na alternativa, mas logo no primeiro núcleo de referência, a família, na construção actual “Os meus, os teus e os nossos”. Lidar, com o facto, de que algo que sucede diferente do pensar dos adultos cuidadores não significa que é negação desse próprio pensar ou sentir. Torna-se genuinamente difícil solicitar a adultos que aceitem outros se forem crescendo na negação da existência da diferença. E, se olhar em redor, aquilo que emerge hoje, com muita frequência, é a possibilidade de vir a fazer parte de algo grandioso, coeso, em que se fale uma só língua de compreensão do mundo envolvente. Também sem a possibilidade de alternativa. Só que tem o espectro Megalómano, Omnipotente, da Superioridade face a outros. A necessidade de coesão é segurança é vital. Esta é a procura. No entanto, quanto mais imaturo for o ego, maior a insegurança, a dependência absoluta de algo e a violência como meio de comunicação e lidação. A alternativa é a possibilidade de crescimento, em responsabilidade, partilha e autonomia. "Sempre que ouço alguém a fazer uma versão de uma canção minha, o meu sentido crítico fica em animação suspensa. Sinto-me arrebatado sempre que alguém o faz." Leonard Cohen Cantor, Compositor, Poeta... (1934-2016) Elsa Jorge 
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É com satisfação que vimos divulgar uma nova parceria da Psicaal, desta vez com o Pontofisio - Centro Médico e de Fisioterapia Lda.

Todas as crianças têm direito a... Um simplex dos Direitos Infantis! É refletindo sobre as crianças e os adolescentes, menores, que em tantas ocasiões se encontram em sofrimento psicológico (e/ou outros), e que nem sequer sabem dos direitos simples que lhes assistem no Mundo, que me recordei de um texto notável que, embora já com alguns anos de idade, permanece jovem e atual: “Alguns Direitos / Muitas Ingenuidades”, de Pedro Strecht (In Crescer Vazio,1998). Parece até, na conjuntura moderna, o simplex dos Direitos Infantis. Preocupada com esses conteúdos, de uma simplicidade tão enriquecedora, e que tantos “crescidos” esquecem ou se calhar também não conhecem, senti-me forçada a partilhar este conjunto de importantes Direitos, que todos, mas mesmo todos, independentemente da sua função pessoal, social, familiar e/ou profissional, devíamos conseguir garantir a qualquer criança/adolescente. Estou genuinamente convicta que se todos os menores, dos zero anos em diante, tiverem a oportunidade de experimentar viver e sentir estes Direitos especiais, serão certamente mais saudáveis, felizes e ricos do tesouro mais raro do mundo: Amor, muito muito Amor. Assim, aqui ficam esses Direitos essenciais: “Todas as crianças com mais de cinco anos têm direito a desabafar. Todas as crianças até aos onze ou doze anos de idade têm direito a andar grátis no Carrocel quando estão de férias. Todas as crianças que andam na Escola têm direito a serem alegres, terem amigos e a brincarem com os outros. Têm direito a ter uma professora que não grite com elas. Todas as crianças têm direito a ver o mar verdadeiro, especialmente em dia de maré vazia. Todas as crianças têm direito a, pelo menos uma vez na vida, escolher um chocolate que lhes apeteça. Todas as crianças têm direito a terem orgulho na sua existência. Todas as crianças têm direito a pensar e a sentir como lhes manda o coração, até serem velhas, aí com uns vinte anos. Todas as crianças têm direito a terem em casa o Pai e a Mãe, os irmãos (se houver) e comida. Se o Pai e a Mãe não conseguirem viver juntos têm direito a que cada um deles respeite o outro. Todas as crianças têm direito a deitarem-se no chão para verem as nuvens passar, imaginando formas de todos os bichos do Mundo combinadas com as coisas que quiserem (por exemplo, um cão a andar de patins ou uma girafa de orelhas compridas). Todas as crianças têm direito a começarem uma coleção, não interessa de quê. Todas as crianças têm direito a chupar o dedo indicador que espetaram no bolo acabado de fazer ou então a lamber a colher com que raparam a taça em que ele foi feito. Todas as crianças têm direito a tentarem manter-se acordadas até tarde numa noite de Verão, na esperança de verem uma estrela cadente e pedirem três desejos (a justiça devia fazer acontecer sempre pelo menos um). Todas as crianças têm direito a comer a fatia do meio das torradas de pão partidas em três. Todas as crianças têm direito a escrever ou a falar uma linguagem inventada por elas (ou que julgam inventada por elas), como por exemplo a “linguagem dos pês”: apa linpingupuapagempem dospos pêspês. Todas as crianças têm direito a imaginar o que vão querer fazer quando forem grandes (habitualmente coisas extravagantes) e a perguntar aos adultos “o que queres ser quando fores pequenino?” Todas as crianças têm direito a dormir numa cama sua, sentindo o cheiro a roupa lavada, e a terem um espaço próprio na casa, pelo menos a partir de um ano de idade. Todas as crianças têm direito a passear na rua tentando pisar apenas o empedrado branco (ou só o preto); em opção, têm direito a fazer uma viagem contando quantos carros vermelhos passam na faixa contrária. Todas as crianças meninos têm direito a, pelo menos uma vez na vida, perguntar a uma menina “queres ser minha namorada?” e todas as crianças meninas têm direito a, pelo menos uma vez na vida, responder “sim quero”. Todas as crianças têm direito a ouvir um adulto contar pelo menos uma destas histórias: Peter Pan, O Principezinho ou O Príncipe Feliz. Todas as crianças têm direito a ter alegria suficiente para imaginar coisas boas antes de dormirem e depois, a sonharem com elas. Todas as crianças têm direito a ter um boneco de peluche preferido, especialmente quando velho, já lavado e mesmo com um olho a menos. Todas as crianças (especialmente se já adolescentes) têm direito a usar uns ténis preferidos, mesmo que rotos e com cheiro tóxico. Todas as crianças têm direito a poder tomar banho sozinhas e a experimentar mergulhar na banheira contando o tempo que aguentam sem respirar. Todas as crianças têm direito a jogar aos polícias e ladrões, preferindo inevitavelmente serem ladrões. Todas as crianças têm direito a ter um colo onde se possam sentar, enroscar como numa concha e receber mimos. Todas as crianças têm direito a nascer iguais em direitos. Todas as crianças têm direito a conhecer o sítio onde nasceram e a visitá-lo livremente. Todas as crianças têm direito a não ficar sozinhas a chorar. Todas as crianças têm direito a viver num País que tenha um Ministério da Infância e Juventude, que olhe verdadeiramente pelo seu crescimento afectivo e bem estar interior (sem preconceitos adultocêntricos ou hipocrisias com ares de cromo abrilhantado). Todas as crianças têm direito a acreditar que têm um adulto que olha por elas e as ama sem condição prévia (nem que seja Nosso Senhor). Todas as crianças têm direito a viver felizes e a ter Paz nos seus pensamentos e sofrimentos.” E nós? Outrora menores, hoje adultos. Tivemos direito a todos estes Direitos? Bom, enquanto há vida, há oportunidade de viver! Vamos a isso. Carla Albano
Depois da interrupção de verão, estamos de regresso com mais um artigo do mês. Desta vez um tema de reflexão importante e poucas vezes falado pelo peso que impõe na vida de todos nós. Anjos da Guarda, estrelinhas no céu e afins. " Saudade é um sentimento que, quando não cabe no coração, escorre pelos olhos." Bob Marley Assim que nascemos estamos destinados a morrer. É simplesmente isto, sendo que o complicado é não sabermos o prazo de validade e de que forma nos vamos embora. Consciente e inconscientemente, esta pedra chata no sapato da vida, arranha a nossa mente e marca de maneira muito séria a forma como encaramos e vivemos o nosso dia-a-dia. Para além da nossa morte, que sabemos certinha, temos também que lidar com a partida dos que nos rodeiam, que nos abana e avassala como um despertador nada programado, que ocasionalmente e de forma buzinante nos recorda que há tempo limitado. Por vezes, esta faceta negra da vida, faz-nos pensar e querer viver melhor, outras vezes é desejada e desafiada a aparecer. Há quem diga conhecê-la bem e saber onde nos leva e há que finja que não existe. Há quem julgue que a controla e há quem julgue que a engana, mas o que realmente é indiscutível é que a morte é tão natural como a vida, fazendo por isso, parte integrante dela. Seja de que forma for, a questão é que esta concretização de finitude nos causa muita dor e implica sempre uma separação e sofrimento, algo que normalmente não gostamos de associar a crianças. Quando perdemos alguém próximo e temos que o comunicar a uma criança, muitas questões se levantam no ar e por vezes, os malabarismos que são feitos para proteger os mais novos de uma dor inevitável, acabam por prejudicar um processo de luto saudável e extremamente necessário para a elaboração da perda. Entre estrelinhas no céu e anjos da guarda, viagens sem volta e sonos profundos, existe toda uma panóplia de explicações que procuram dourar o que aos adultos parece inaceitável e demasiado duro para uma criança, mas a verdade é que ao falar de morte aos mais pequenos, a honestidade e a clareza, em linguagem adequada à idade, são a resposta mais organizadora e equilibrada. É sempre difícil ver uma criança triste, mas evitar o sofrimento significa não ser capaz de o acolher, o que torna tudo bem mais difícil. Quando se fala na morte a uma criança, há vários elementos que devem ser tidos em conta e que farão toda a diferença na forma como a mesma irá processar o que se passa à sua volta, pois quando alguém deixa de existir numa família, muita coisa muda. Em primeiro lugar é importante saber-se que as crianças devem passar por um processo de luto, com várias fases, tal como os adultos. Isto não significa que se manifestem da mesma forma, ou que devam presenciar as mesmas situações, mas sim que a criança deve ter o direito a saber a verdade e a expressar-se em relação a ela da forma que lhe parecer mais natural. Para tal, tem que haver espaço para o diálogo e capacidade por parte dos adultos para abraçar e conter emoções, por vezes difíceis de gerir. Ter em conta a idade e o desenvolvimento psíquico da criança, também é determinante para a forma como se deve abordar o assunto, pois quanto mais ligada à realidade a criança estiver, mais noção terá da irreversibilidade da situação. Na primeira infância, uma criança não é capaz de perceber realmente o que sucede quando alguém morre. Poderá sentir a ausência da pessoa, se lhe for próxima, mas provavelmente, tenderá a perguntar por ela repetidamente, pois a sua organização psíquica ainda muito inundada pelo mundo da fantasia não lhe permite entender o carácter definitivo da morte. No entanto, consegue perceber que o ambiente à sua volta muda e sentir a tristeza dos que vivem consigo. Só por volta dos 5/6 anos, uma criança começa a ser capaz de perceber o significado da morte. Esta constatação da realidade inicia-se muitas vezes através de um animal de estimação, ou um filme infantil que aborde a temática, através do qual vai questionando os adultos. Já capaz de integrar esta realidade, a criança desta idade vai percebendo que quando se morre, se deixa de funcionar e de estar presente. Mais curiosos sobre o tema, procuram respostas nos adultos e estas devem ser sempre muito claras e adequadas à necessidade da criança. Se a sua curiosidade estiver satisfeita, não se deve aprofundar muito mais. Fará mais perguntas quando sentir vontade e à medida que for crescendo. Deve ter-se em atenção que as crianças são muito literais e por isso, explicações muito fantasiosas poderão criar mais confusão que esclarecimento e em vez de tranquilidade, poderão surgir medos e angústias desnecessárias. Explicações em torno de viagens de onde não se volta, ou sonos de onde não se acorda, podem desencadear receios no dia a dia face a situações normais como o dormir e viajar. Da mesma forma, respostas pouco claras face à impossibilidade de a pessoa voltar, podem prolongar ou até impedir a elaboração do luto, interferindo com o bem-estar emocional da criança. As crianças têm mais capacidade para lidar com esta adversidade do que se pensa, desde que tenham o espaço necessário para fazer as suas perguntas sem reservas, sabendo que os adultos em volta não se assustam e não se afligem com o tema. Nunca se deve esconder dos mais pequenos, ainda que por dias, a morte de um familiar próximo. Quando algo tão grave sucede, o ambiente familiar muda drasticamente e a indefinição do que se passa pode ser bem mais desestabilizadora para uma criança do que a verdade. Além disso, na ausência de clareza, pode integrar a ideia de que se trata de um assunto tabu, do qual não se pode mesmo conversar, o que pode deixar a criança afetivamente desamparada e sem colo. Expressando a emoção perante a criança, é possível ensiná-la a fazer o mesmo. Se o ambiente se fecha em silêncios misteriosos e choros atrás de porta, a criança também aprenderá a reservar o que sente só para si. Não é necessário contudo, uma exposição tortuosa a ambientes demasiado pesados que a deixem desconfortável e aflita, mas mostrar que a saudade dói, permite à criança reconhecer o que na verdade também habita em si. Por vezes sucede a criança pedir para se despedir de quem morreu, questionando se pode ir ao funeral. Seja qual for a posição da família face a esta possibilidade, o importante é que não haja obrigatoriedades, e que, na eventualidade de escolher participar em algum ritual de despedida, a criança deverá ser devidamente informada acerca do que vai ver e ouvir e da carga emocional inerente a todo o processo. A despedida é necessária, seja de que forma for e tem o importante papel de ajudar na continuidade de quem fica, que deve permanecer psiquicamente no mundo dos vivos. Nunca estamos realmente preparados para nos despedirmos de quem amamos, mas se tivermos com quem partilhar os afetos que a situação despoleta, tudo se torna mais fácil e com uma criança é igual. Aprender com naturalidade a dizer adeus, mantendo a pessoa que se ama sempre presente no coração pode e deve começar na infância porque a verdade, é que uma criança também sente saudade, mesmo daquela que é transbordante e que escorre pelos olhos. Helena Mourão
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“Nunca bati no meu filho” Sendo o assunto aparentemente polémico, vou partilhar algumas interrogações que esta frase me coloca e algumas considerações que advêm daquilo que será um crescimento de um ser. A primeira vez que ouvi esta frase estudava psicologia. Num programa de televisão, falavam dois conceituados técnicos da área da saúde mental. Um ainda muito familiar nos meios de comunicação social, outro, efectivamente desaparecido destes canais. É verdade que não eram totalmente concordantes no assunto, mas destacava-se de forma perentória que “bater” seria de uma elevada incorrecção. Confesso que na altura fiquei algo confusa. Para gerir esta mesma confusão, adoptei a compreensão de que este dito “bater” entrava no espectro da violência. Também entrei neste caminho, porque ao olhar para meu percurso de vida, é um facto que a mim me assistiu umas quantas “sacudidelas de pó”...Se me debruçar sobre as ocasiões que despoletaram as mesmas, poderia adoptar o olhar, de que estas são desadequadas e roçam o ridículo. Mas este ajuizamento pode ser fatal e desajustado, até porque se uma delas, a minha memória a guarda como um erro crasso, outras nem tanto. Pais que não erram, não são pais. Deveras preocupantes são aqueles que não querem pensar sobre as suas práticas. Então, e voltando um pouco atrás no tempo e nas minhas linhas escritas, deparo-me com a ideia de que por trás desta frase reside alguns equívocos que prejudicam a forma de agir e actuar no processo de crescimento de uma criança. Quando trabalho com crianças e na consulta de pais, este assunto volta a emergir “nunca bati no meu filho”.. Começo a denotar que para alguns surgiu com um princípio revestido até de alguma superioridade, talvez, filosófica. Quando oiço, em mim, surge por várias vezes o pensamento “vá lá se estou a perceber alguma coisa disto!!??”. Esta interrogação assiste-me muitas vezes, o que considero uma boa ferramenta de trabalho, pois leva-me a investigação terapêutica. E, é nesse caminho percorrido, que muitas vezes surge um perfeito equívoco com aquilo que se designa por Violência. Como se de o gesto tido de uma palmada fosse traduzido linha recta como algo de violência. Bom, provavelmente não será agradável para ambas as partes, mas a violência não se inscreve num cenário de entendimento, compreensão, ou sentido. Só releva e demonstra que aquele que a prática é dotado de uma perturbação efectiva e afectiva. Associado, a isto, encontra-se um outro equívoco. Autoridade e autoritarismo. Dois conceitos completamente distintos e que levam a práticas e demonstrações numa relação também ela diferente. Neste composto de ideias, as consultas de pais se revelam de elevada importância. A história dos pais são dotadas de enquadramentos de tal maneira, que ao falar com eles, maior parte das vezes de forma totalmente espontânea, começo a colocar hipótese de onde aquela afirmação advêm, de que forma consideram que aquilo ocorrido com eles, ou se deve repetir em osmose com os seus filhos, ou pelo contrário, fazem cartaz de nunca farão igual aos pais deles. Pais, os nossos filhos vêm de nós, mas não são cópias Xerox... É comum, que quando chegados à consulta, a situação tenha atingido um dito limite e algumas acções físicas já sucedam com uma frequência que é válido considerar um exagero...mas aqui coloco sempre esta questão interior, que depois a devolvo de outra maneira “Houve uma primeira vez. Como estas pessoas reagiram!?” E entre, não se dar muita importância, ser pequenino, ter muita graça ou gracinha, ter sido muito mimado, sentá-lo no sofá e ter uma conversa, com um ou dois anos, ter um feitio especial, e/ou desautorizarem-se (os pais) de um modo desadequado, sucede o crescimento do Ser. Entretanto, também se acrescenta algo de muita importância. Quando o adulto recai em discursos que caem na responsabilização da criança pelo sucedido, e a culpabilidade para cima do menor, “Estás a ver o que tu fazes!? Estás ver o que me levas a fazer!? Eu que gosto tanto de ti”. Considero que estamos a promover uma manipulação de poderes indiscritível. A partir daqui criou-se ramos numa árvore que vão estragar o crescimento do fruto. E é com frequência que surge a descrição de um quadro de uma criança cansada, (com recorrência) e estamos na eminência de uma acção por parte desta explosiva de violência. Para que tal não aconteça usa-se o “jeitinho”. E de repente a inversão das posições de uma dinâmica familiar. O crescimento de uma criança exige, solicita, orientação. Linhas condutoras sustentadas em afectos e regras. A criança pede por isto. A organização interna psíquica só é construída com possibilidade de sustentabilidade e evolução psicológica, se desde cedo, essa orientação suceder aos cuidados daqueles que estão responsáveis por ela. Desafiar, aventurar-se, testar limites, compete à criança, e é deveras saudável desta que assim o faça. Mas os pais deverão lá estar para compreender e fazer compreender onde os limites ocorrem. E derivado daqui deve suceder uma acção, para com a mesma e tendo em conta a sua idade. Em linha de continuidade, a prática permite afirmar, que onde as acções físicas se tornam de uma violência incomensurável, é quando os adultos considerados cuidadores, não sustentam estas acções. Ou seja, não existe envolvência emocional naquela dinâmica familiar, encerrando por tantas vezes, amuos e birras de adultos, onde por vezes em dias ninguém se fala ou em contrário, recorrentemente se volta ao assunto. Fazer isto a uma criança é violento, brutal. Por vezes sinto, que os Pais, têm a convicção, que a criança veio ao mundo para o/os irritar/em. Também com convicção refiro que veio para os questionar, interrogar, desafiar, aprender com eles. Termino, deixando um genuíno reconhecimento que quando os Pais, se apercebem em partilha com o técnico, que muito deles estão a projetar naquela criança e tomam consciência que as manifestações que se apresenta no filho, são resultado daquilo que ficou por resolver na história dos mesmos, a possibilidade de evolução psíquica daquela criança e família é muito maior. Somos influenciados pelas nossas histórias familiares, mas não temos de estar eternamente hipotecados e sentenciados a estas. Que os filhos também não o estejam. Há outro caminho a percorrer assim o queiramos. Afinal, uma criança sabe, como ninguém, que o melhor do pior de nós, deve guardar-se para as pessoas de quem gostamos mais. Eduardo Sá Tudo o que o amor não é, 2003 Elsa Jorge
Psicaal
Por lapso informático, o artigo do mês de Junho fora removido. Aqui fica de novo disponível para que todos se possam deliciar... Artigo do Mês de Junho Maria Callas: a mulher na sombra da cantora “Nunca pude determinar quem ela realmente era. Ela tornava-se no papel que estava a interpretar naquele momento. Transformava-se na personagem e vivia essa experiência intensamente. Ainda assim, eu sempre tive a impressão de que, quando não era uma personagem no palco, estava de alguma forma perdida, desorientada. Tenho o sentimento de que possivelmente se sentia desconfortável consigo mesma.” Carlo Maria Giulini, maestro “Maria Callas – Life and Art, 1991” Maria, a criança Maria Callas, nasceu em 1923 em Nova York, filha de emigrantes gregos. Estes já tinham uma outra filha, 6 anos mais velha, e haviam perdido recentemente o filho de um ano. A mãe de Maria, quando engravidou novamente, acreditava que teria um menino, uma espécie de reencarnação do filho perdido. Nos três primeiros dias após o nascimento de Maria a mãe recusou qualquer contacto com a bebe. Desde o início a existência de Maria representou para a mãe uma ausência, a do irmão. A profusão de nomes com que foi baptizada – Cecília Sofia Anna Maria - três anos após o seu nascimento, encobre na verdade a ausência de um nome próprio e o reconhecimento da sua existência. Vivendo desde o início à sombra do fantasma do irmão morto em termos de identidade, e também à sombra da irmã mais velha no que se refere às preferências maternas, Maria foi, segundo os seus biógrafos, uma criança mal amada e mal cuidada, “sendo incapaz de captar o amor da mãe e sofrendo pelas ausências frequentes do pai, Maria procurava na irmã amor e atenção, convertendo-se na sua sombra, seguindo-a aonde quer que fosse” (Edwards, A., 2003) O canto parece ter representado desde muito cedo, para Maria, uma forma de ver a sua existência reconhecida e de ser amada pela mãe, já que realizava aquilo que esta sempre sonhara para si própria, sem nunca o ter conseguido atingir. Sabe-se que o grande desejo, não realizado, de Evangelia, a mãe de Maria, era ter sido cantora. De qualquer das formas, e segundo os seus biógrafos, Maria desenvolveu desde muito cedo um talento especial para o canto, sendo então descoberta e explorada pela mãe nas suas qualidades artísticas. Sobre isto a própria Maria Callas dirá mais tarde: “Crianças prodígio nunca aproveitam uma infância verdadeira. Eu não me lembro de um brinquedo de que gostasse mais do que qualquer outro – uma boneca ou um jogo preferido – mas somente das canções que cantava e cantava e cantava, até ficar enfastiada, para o show da escola no final do ano. E, especialmente da sensação dolorosa de pânico que me tomava quando, no meio de uma passagem difícil, sentia como se fosse sufocar e pensava, aterrorizada, que nenhuma nota sairia da minha garganta seca e árida. Ninguém nunca notou a minha ansiedade. Deveria haver uma lei proibindo tais coisas. Crianças tratadas dessa forma tornam-se adultas antes do tempo. É injusto privar crianças da sua infância. Eu sentia que era amada somente quando cantava” (Allegri, E. & Allegri, R., 1977). Portanto Maria só era reconhecida e amada pela mãe como voz cantante, nunca como pessoa; por isso, desde cedo, teve de aprender a cantar. Callas, a diva A partir de 1947 Maria transforma-se na diva do canto lírico e dedica-se integralmente à sua carreira. É neste período que casa com Meneghini, um homem 28 anos mais velho do que ela e com quem, segundo os seus biógrafos, nunca teve uma vida sexual e emocionalmente rica. Meneghini deu-lhe a sustentação económica que lhe permitiu dedicar-se por inteiro à carreira e transformou-se em seu empresário. Enquanto cantora de ópera a maior qualidade de Callas, segundo os críticos, era a capacidade de se transmutar nas personagens que interpretava, assumindo como um camaleão as emoções destas. “A sua capacidade de transportar os espectadores para o interior da vida emocional da heroína, em todo o seu esplendor afectivo fez de Callas não uma mera interprete operática mas uma encarnação das próprias personagens” (Edwards, A., 2003). Diria que o treino era antigo, vinha de trás, das suas vivências de criança desamparada que, com enorme esforço de adaptação se transformou em criança prodígio e assim conquistou o reconhecimento da mãe e o direito a uma existência, ainda que parcial – enquanto voz. Teve o reconhecimento, não o amor. Enquanto Callas a diva – Maria pode expressar espontânea e criativamente os seus dramas internos. “As óperas cantadas por Callas davam a Maria a oportunidade de viver as suas próprias dores” (Oliveira Dias, E. & Loparic, Z., 2011). Talvez por isso as óperas que Callas mais cantou tratavam todas, não por mero acaso, de histórias de abandono, pondo em cena o drama da rejeição e desamparo que Maria viveu a vida inteira na relação com a sua mãe. A ópera e a possibilidade de expressar vivências emocionais através das personagens foram para ela, nesse período, um simulacro de vida, o mais próximo que até então Maria conheceu daquilo que seria uma vida real. Mas esta experiência emocional vivida de forma parcelar, descontínua, “emprestada” e separada da existência real não poderá nunca ser integrada de modo a servir de alimento afectivo-emocional a Maria. É neste período que o fosso entre Maria - a mulher – e Callas – a cantora – se torna maior. Maria passa a referir-se a si própria enquanto cantora na terceira pessoa, “La Callas”, ou seja, como uma outra que não ela própria. Sinal da alienação e dissociação que intuía dentro de si. Ao se amparar no canto em busca de um reconhecimento que lhe permitiria a ilusão de uma existência, tal como na infância, Maria continua na sombra, já que só uma dimensão restrita da sua existência é reconhecida – a de cantora lírica, uma voz, nunca um ser humano integral. Maria Callas repete na vida adulta, desta vez com o seu público, a história infantil com a sua mãe. Existe para ele – público – e é por ele reconhecida, mas só parcialmente. Maria Callas, a procura da mulher A partir de 1954, opera-se uma mudança radical na vida de Maria Callas, “a robustez da cantora cede espaço à elegância da mulher, por meio de um emagrecimento rápido de quase 30 quilos. A mulher gorda e mal vestida que denotava pouco à-vontade na sua pele, parecendo mais à vontade quando representava os seus personagens, dá lugar a uma outra, esbelta e elegante” (Edwards, A., 2003). Com o surgimento de Onassis na sua vida, Maria procura pela primeira vez a realização afectivo-sexual como mulher e tenta assumir o lugar central da sua vida que até aí fora ocupado pela cantora. O mundo em que então procura viver, enquanto mulher – de luxo, riqueza e glamour – parece em parte compensá-la da sua vida, até então pobre de afectos e exclusivamente dedicada a ensaios e trabalho. Mas Maria, enquanto mulher, não tinha uma estruturação própria, tendo sempre vivido na sombra. Ao relegar a sua carreira para segundo plano, em prol da realização como mulher, fica desamparada, tal como uma menina pequena a necessitar da sustentação de um adulto. Construir uma existência real, no mundo dos homens, é muito diverso daquilo que Callas tinha, até então, podido viver no palco. Após o final da relação com Onassis, a cantora tenta prosseguir a sua carreira mas a voz não lho permite. Para que a mulher ocupasse o lugar central, foi necessário que a cantora se desvanecesse. Não foi possível para Maria Callas, dada a experiência infantil traumática, integrar as duas. “A falência da cantora e a incapacidade de encontrar um outro objecto amoroso no qual se amparar levam a que Maria entre numa crise total” (Oliveira Dias, E. & Loparic, Z., 2011). Maria Callas morreu em 1977, com 53 anos. Viveu os seus últimos anos encerrada num apartamento em Paris, raramente saía e evitava receber amigos. Os seus dias eram passados a escutar os seus discos e registos. Pouco antes de morrer diz, telefonicamente, à irmã: “Sem a minha voz, quem sou eu?” (Schneider, M., 2001) Maria Dulce Vasconcelos Referências: Allegri, E. & Allegri, R. (1977). Callas by Callas – The Secret Writings of “La Maria”. Edwards, A. (2003). Maria Callas – Una Biografia Intima. Buenos Aires Oliveira Dias, E. & Loparic, Z. (2011). Winnicott na Escola de São Paulo. São Paulo Schneider, M. (2001). La voix qui va morrir, Prima Donna – Opera et Inconscient. Paris
Artigo do mês de Maio Filhas da Mãe “Nunca existiu uma pessoa como tu antes. Não existe ninguém neste mundo como tu agora e nem nunca existirá. Vê só o respeito que a vida tem por ti! Tu és uma obra de arte, impossível de repetir, incomparável, absolutamente única.” Osho O primeiro amor de qualquer criança é a mãe. É nela que tudo começa e se desenrola. Do ventre para os braços, a mãe é a primeira fonte organizadora de uma criança, que inicialmente se manterá ligada a si por um cordão imaginário que a alimenta psiquicamente. Envolvendo o bebé num clima de carinho e tranquilidade, a mãe suficientemente boa tem o dom de se ajustar às necessidades e às capacidades do novo ser, proporcionando-lhe um ambiente previsível e seguro, onde apeteça crescer e conhecer mais. Este primeiro objeto de amor é igual para qualquer bebé, mas para uma menina, surge a necessidade mais tarde, de investir com grande intensidade num outro alvo amoroso – o pai – de forma a dar-se início à construção daquela que será a sua identidade de género – a feminina. De bebé a menina e de menina a mulher, crescer no feminino implica fases complexas e uma ligação muito especial na relação mãe-filha, onde se impõe uma moderação delicada entre a proximidade e o dar espaço, entre a identificação e a perda de identidade. Ser mãe de uma menina é uma coisa maravilhosa, mas exige equilibrismo circense e necessita de rede de apoio, muitas vezes paterna. É difícil não pensar na menina que se foi e no que ela teve ou não teve. Mas é muito importante ter cuidado nos testemunhos que se passam, que não podem exigir a participação numa corrida transgeracional de estafetas, com percursos há muito traçados e com objetivos há muito desejados. Inicialmente, a relação mãe-bebé quer-se fusional, mas só com algum distanciamento posterior, muitas vezes conseguido pelo pai, que resgata a mãe do encantamento pelo bebé, a criança consegue ter perceção do outro e de si própria, dando inicio à sua construção identitária. Com noção da sua individualidade, é então possível construir uma outra camada sobre o Eu – a identidade de género. Para as meninas este processo passa, entre muitas outras coisas, pela identificação com as características femininas da mãe, que servirá de modelo. Pezinhos pequenos começam então a aventurar-se em saltos altos enquanto colares e anéis, balançam largueirões em tão pequenino suporte. Surgem as primeiras pinturas faciais, muitas vezes indignas de uma verdadeira princesa, mas vale a experiência da mãe para ajudar a compor, sob a promessa de que um dia lá chegará. Observada e admirada, a mãe é o modelo, mas também a rival, que se entrepõe entre a aspirante a mulher e o pai, por quem surge uma paixão arrebatadora – a primeira a brincar, de futuras a sério. Num jogo de ataques à adversária, seguidos de culpabilidade, importa que a menina se sinta narcisada e capaz de seduzir, ainda que sem conquistar. Mantendo-se o casal inabalável, a mãe de braços abertos e a curiosidade satisfeita, o conflito fantasiado dá lugar à esperança de um príncipe que virá quando for mais crescida. Mas em todo este percurso, cabe à mãe o cuidado vital de não se confundir com a filha, permitindo-lhe ser no feminino, de uma forma única e pessoal. A mãe enquanto modelo de identificação para a sua menina, deve tornar-se acessível sem se impor como única possibilidade e permitir os ensaios da criança. Deve emprestar a vida feminina que tem, mostrando-lhe com o exemplo como deve cuidar de si, com afeto e respeito. A fronteira entre a menina mãe e a filha que cresce diante de si, é vulnerável e exige uma maturidade psíquica que permita o reconhecimento da outra enquanto ser independente de desejos, receios, necessidades e excessos completamente distintos dos seus. No entanto, há mães que se sentem ameaçadas e rivalizam com a criança, outras que vêm na filha uma reedição sua e assim a destituem da sua oportunidade de ser. Inconscientemente regredidas ao seu mundo infantil, as mães imaturas, privam ou entopem em função das suas próprias necessidades, promovendo vivências de pele comum, tal qual uma fábrica de matrioskas. Colocam-se ao colo das filhas, onde choram, desabafam e solicitam ajuda, invertendo posições e funções, alegando serem as melhores amigas num relacionamento confuso, sem limites e hierarquias. Também há mães que não têm mundo feminino para emprestar porque também não tiveram onde aprender e não o souberam reconhecer noutras referências, pois há sempre a possibilidade de fazer diferente e de “beber de outras fontes”. Mas felizmente, há mães que possuem elevado autoconhecimento e capacidade de elaboração interna. Emprestam a sua vivência às filhas, mas não as afogam nela. Dão espaço para crescer, mas não são abandónicas. Há mães, que foram realmente filhas da mãe, seja essa mãe a de sangue, uma tia, uma amiga ou até uma psicoterapeuta e que por isso, têm um mundo feminino que fascina e cativa. Não podemos esquecer, que ser mãe de uma menina é dar ao mundo outra potencial mãe. O melhor testemunho que lhe podemos passar é o de ser uma dádiva imensurável vê-la crescer, acolhendo e contendo o seu mundo emocional, ajudando-a a tornar-se uma mulher única, “uma obra de arte”. Helena Mourão
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